Poucos nomes na história da matemática exercem uma influência tão abrangente e duradoura quanto o de David Hilbert. Nascido em $23$ de janeiro de 1862, em Königsberg — então parte da Prússia Oriental, hoje Kaliningrado, na Rússia — Hilbert moldou o rumo da matemática do século XX de maneira profunda e definitiva. Sua trajetória, marcada por genialidade, rigor formal e uma visão quase filosófica da ciência, atravessou áreas diversas como geometria, análise funcional, física matemática e cálculo de variações.
Hilbert iniciou sua formação na cidade natal, ingressando na Universidade de Königsberg, onde obteve seu doutorado em $1884$ e lecionou até $1895$. Nesse período, estreitou laços com outro gigante da matemática, Hermann Minkowski. Em seguida, transferiu-se para a Universidade de Göttingen, que viria a se tornar o epicentro da pesquisa matemática europeia sob sua liderança. Ali, Hilbert deu continuidade à linhagem de nomes ilustres como Gauss, Dirichlet e Riemann, estabelecendo uma escola que atrairia, entre $1900$ e $1914$, matemáticos de todas as partes do mundo, em especial dos Estados Unidos.
Sua consagração veio com a publicação, em $1899$, da obra Grundlagen der Geometrie (Fundamentos da Geometria), onde reformulou a geometria euclidiana a partir de um novo conjunto de axiomas — conhecidos como os axiomas de Hilbert. Essa sistematização foi um marco na fundamentação formal da matemática, influenciando diretamente o desenvolvimento da lógica e da filosofia da matemática no século XX.
Hilbert não se restringiu à geometria. Suas contribuições à teoria dos números, à topologia, às equações integrais e ao cálculo de variações são igualmente notáveis. Foi um dos criadores da análise funcional moderna, introduzindo o conceito de espaço infinito-dimensional — hoje denominado espaço de Hilbert — que viria a se tornar uma ferramenta essencial na mecânica quântica.
Na fronteira entre matemática e física, sua colaboração com Albert Einstein também merece destaque. Em $1915$, Hilbert propôs uma formulação variacional das equações de campo da relatividade geral, conhecida como Ação de Hilbert, que complementa e fortalece o arcabouço teórico da teoria da gravitação de Einstein.
Um momento simbólico e emblemático da carreira de Hilbert foi sua palestra no Congresso Internacional de Matemáticos de 1900, em Paris, onde apresentou uma lista de $23$ problemas fundamentais ainda sem solução — os famosos Problemas de Hilbert. Essa lista serviu como guia para a pesquisa matemática do século seguinte, sendo que alguns desses desafios permanecem em aberto até hoje.
Apesar de sua grandeza intelectual, os últimos anos de Hilbert foram marcados pelo isolamento. Em $1933$, com a ascensão do regime nazista, a Universidade de Göttingen sofreu uma devastação intelectual, com a expulsão de inúmeros matemáticos judeus e opositores do regime. Hilbert, então já aposentado, viu sua escola ser desfeita. Faleceu em 14 de fevereiro de 1943, em meio ao caos da Segunda Guerra Mundial, com poucas pessoas presentes em seu funeral.
Ainda assim, seu legado sobrevive. Na lápide de Hilbert está gravada a frase que sintetiza sua fé inabalável na razão e na ciência: “Wir müssen wissen. Wir werden wissen.” — “Precisamos saber. Saberemos.” Uma frase simples, mas carregada de otimismo e coragem intelectual — traços que definem a própria vida e obra de David Hilbert.




