Como os Egípcios e Babilônios Faziam Contas Sem Números Negativos?

Hoje, os números negativos são parte natural da nossa linguagem matemática. Utilizamos “$-5$” com a mesma familiaridade que usamos “$3$”, seja para representar uma dívida, uma temperatura abaixo de zero ou um ponto abaixo da média. Mas isso nem sempre foi assim. Durante boa parte da história, a matemática humana viveu sem o conceito de números negativos — inclusive em civilizações avançadas como a egípcia e a babilônica. Como, então, essas culturas conseguiam resolver problemas matemáticos que hoje envolvem subtrações “impossíveis”?

Os egípcios antigos (por volta de $1800$ a.C.) desenvolveram um sistema numérico baseado em adições e multiplicações, utilizando frações unitárias (como $\frac{1}{2}$, $\frac{1}{3}$, $\frac{1}{4}$) para representar partes menores que a unidade. Não havia zero, muito menos números negativos.

Os babilônios, por outro lado, usavam um sistema sexagesimal (base $60$) extremamente avançado para a época. Eles podiam resolver equações quadráticas e cúbicas, calcular áreas de figuras geométricas e até fazer previsões astronômicas. Mas mesmo eles não trabalhavam com números negativos da forma como entendemos hoje.

O motivo principal era prático: a matemática era aplicada ao cotidiano — medir terras, calcular estoques, distribuir alimentos. Nessas situações, “menos do que nada” simplesmente não fazia sentido. Não se pode distribuir $-3 sacos de trigo ou medir uma distância negativa. Em contextos comerciais e administrativos, somente valores positivos eram necessários.

Quando confrontados com situações matemáticas que hoje envolveriam números negativos, essas civilizações adaptavam os problemas para evitar esse tipo de número. Um exemplo clássico são equações do tipo $x+a=b$, com $a>b$. Para um egípcio ou babilônio, essa equação não tinha solução — pois a subtração de um número maior de um menor não era válida.

Em alguns casos, os escribas podiam simplesmente inverter a equação, reescrevendo como $x=b−a$, desde que $b>a$, ou então declarar que o problema não tinha “resposta possível” — o que refletia o estado do conhecimento matemático da época, mais voltado à prática do que à abstração.

Foi apenas muitos séculos depois, especialmente com o avanço da matemática indiana e chinesa, que os números negativos começaram a ganhar espaço. Na China antiga (por volta do século III a.C.), registros como o “Nove Capítulos da Arte Matemática” já apresentavam métodos para resolver equações com números negativos, diferenciando-os por cores (vermelho para positivos, preto para negativos).

Na Índia, matemáticos como Brahmagupta (século VII) escreveram regras para operações com números negativos, tratando-os como “dívidas”, enquanto os positivos eram “fortunas”.

Mas a Europa resistiu à ideia por muito tempo. Até o Renascimento, matemáticos europeus ainda se referiam a soluções negativas como “absurdas” ou “falsas”. Somente com a consolidação da álgebra moderna, nos séculos XVII e XVIII, os negativos foram plenamente aceitos como entidades matemáticas legítimas.

A ausência dos números negativos nas civilizações egípcia e babilônica não era sinal de ignorância, mas de uma matemática moldada pelas necessidades concretas da época. Eles desenvolveram métodos engenhosos e funcionais sem recorrer a abstrações que não tinham utilidade prática em seu cotidiano. Hoje, os números negativos são ferramentas indispensáveis, que nos permitem modelar situações complexas — da contabilidade à física quântica. Entender como eles surgiram é também entender como a própria matemática evolui: da prática à abstração, do concreto ao conceitual.

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